domingo, 17 de abril de 2011

Da cidadania, do Bulling e do “Pânico em Realengo”

Em 1996 o filme dirigido pelo diretor norte-americano Wes Craven, que ficou conhecido no Brasil sob o título: “Pânico”, combinou o que seria uma típica história do gênero “Suspense”, com cenas do gênero Terror, porém, dando aos clichês destes gêneros um tratamento dos filmes de Comédia, que por sua vez tinha também ingredientes dos filmes do gênero Policial e cujas cenas de violência explícita, com homicídios praticados das formas mais cruéis que se poderia imaginar, eram tratados como se fossem simples travessuras inocentes, praticadas por adolescentes que se conheceram na escola.

O filme “Pânico” (Scream, 1996 - EUA) tornou-se um dos mais lucrativos daquele ano e um sucesso de bilheteria de sua época, transformando-se em sucesso no mundo inteiro e desdobrando-se em 3 outros filmes que estenderam-se até o corrente ano de 2011, com “Pânico 4” (Scream 4, 2011 - EUA). Este sucesso cinematográfico mundial, principalmente junto ao público adolescente que se diverte com este “novo gênero” de filme, que é uma mistura do que conhecíamos no passado apenas e SEPARADEMANTE, por meio dos gêneros: Suspense; Terror; Drama; Comédia e Policial, tem todos os ingredientes de outra típica receita recentemente importada também dos EUA e que poderíamos facilmente identifica-la no que passamos a conhecer no Brasil com o nome Bulling.
A adoção do anglicismo Bulling por todos os principais meios de comunicação de massa nacionais, como uma nova forma de descrever o que até então conhecíamos no Brasil apenas como TROTE, se justifica principalmente por servir para diferenciar esta, que é/era um outra forma pouco ortodoxa de “dar boas vindas aos calouros”, que a maioria de nós hoje adultos supostamente responsáveis, fomos também vítimas ou algozes em nossa infância e/ou adolescência, mas, que difere em muitos dos seus principais aspectos do que hoje é classificado como Bulling, que na sua definição original é usado para descrever atos de violência física e/ou psicológica praticados de forma intencional e exercido por um indivíduo ou agente de uma ação contra outro indivíduo. Este agente da ação é chamado, na expressão em inglês, de Bully, cuja tradução para o português equivale ao que conhecemos como TIRANO, BRUTO ou, simplesmente, VELENTAO. Dai, que este novo termo, que popularizou-se recentemente no Brasil como Bulling, refere-se literalmente a ação do TIRANO, do BRUTO ou do VALENTAO. Portanto, diz respeito especificamente aos atos de praticar TIRANIA, BRUTALIDADE e/ou VALENTIA contra outrem que, na maioria das vezes, esta em desvantagem física e/ou numérica. Sendo assim, o que até então conhecíamos simplesmente como TROTE não se confunde necessariamente com o que agora é classificado como Bulling e, por isto, precisamos deixar de ser tão complacentes quanto a este.
Assim como o filme “Pânico” fez sucesso no Brasil na década de 1990 e foi “importado” para o imaginário dos jovens e adolescente brasileiros como algo que, sem maiores consequências, os estudantes americanos entendiam como sendo um simples “TROTE”, mais recentemente também importamos para o Brasil, por intermédio de nossos meios de comunicação de massa, este outro “sucesso de audiência” nos EUA que é o Bulling. Sucesso este comprovado pelas tragédias que foram batizadas pela mídia internacional e ficaram conhecidas também no mundo inteiro simplesmente por seus títulos dignos de novos sucessos de bilheteria, bem ao gosto dos americanos, tais como o “Massacre de Columbine”, acorrido no Condado de Jefferson, Estado do Colorado, no Instituto Columbine, uma escola americana de ensino equivalente as do ensino fundamental no Brasil, mas, considerada uma referência nacional naquele país em função dos altos índices de ingresso em universidades americanas, que são obtidos pelos alunos egressos de Columbine.
O Massacre de Columbine deixou 13 mortos e 24 feridos e foi praticado por dois alunos daquela mesma escola, que em 1999, ano do massacre, tinham 17 e 18 anos de idade, respectivamente. Estes jovens eram oriundos da classe média daquele país, que estudaram nesta escola também famosa pelo altos índices de atletas que formam, para os times de futebol americano. Entretanto, estes dois jovens não se enquadravam neste padrão de alunos-atletas, pois, preferiam isolar-se nos computadores ao invés de praticarem esportes como a maioria dos outros alunos de Columbine.
Segundo o apurado após aquele massacre em Columbine, foi a diferença de padrões de comportamento o motivo pelo qual os autores do massacre de Columbine eram ridicularizados pelos seus colegas que, logo após matar a tiros alunos e professores daquela escola americana, suicidaram-se, deixando junto aos seus corpos uma mensagem com os seguintes dizeres: "Não culpem a mais ninguém por nossos atos. É assim que queremos partir".
A tragédia em Columbine foi documentada pelo diretor americano Michel Moore em seu filme intitulado: “Tiros em Columbine” (Bowling for Columbine, 2003 – EUA), tendo sido premiado com o Oscar de melhor filme documentário de 2003, além de ter sido premiado no Festival de Cinema de Cannes e de ter recebido da Academia Francesa de Cinema o prêmio de melhor filme estrangeiro daquele mesmo ano.
Quais os paralelos que podemos encontrar entre a ficção do filme “Pânico”, de 1996, e o “mais novo sucesso de mídia mundial”, já batizado pela mesma com o título de: “Massacre de Realengo”? Este aconteceu aqui mesmo no Brasil, na escola de ensino fundamental Tasso da Silveira, localizada no bairro de Realengo, na cidade do Rio de Janeiro, mas que, infelizmente, não tem nada de ficção, assim como o que aconteceu no Instituto Columbine, no Estado do Colorado, EUA.
Para tentar responder a estas perguntas, vamos tentar traçar paralelos entre a ficção retratada no filme “Pânico”, do diretor americano Wes Craven, e as realidades de 1999, retratadas em 2003 no documentário “Tiros em Columbine”, do também diretor americano Michael Moore, e a do “Massacre de Realengo”, ocorrido recentemente mas que, ainda, não ganhou as telas do cinema.
Como dito no início deste artigo, o filme “Pânico” faz um mix entre Suspense, Terror, Drama, Comédia e Policial, ao retratar da estória de dois jovens americanos aficionados por filmes de terror, moradores de uma cidade do interior do Estado americano da Califórnia, que estava aterrorizada pelos assassinatos cometidos de forma anônima e misteriosa, por estes mesmos jovens. O modus operandi dos crimes cometidos por estes jovens ficcionais, são tratados de forma a assemelhar-se com os TROTES que os jovens costumam aplicar aos seus colegas em ambientes escolares, trotes estes que, aqui no Brasil, chamamos de “PRENDA” a pena a eles atrelados, que consiste basicamente em submeter os alvos dos trotes a fazerem ou serem submetidos a uma situação que seja publicamente constrangedora. É ai que se encontra o motivo principal para a aplicação do trote, que é poder submeter a vítima do mesmo a uma situação publicamente constrangedora na qual os seus algozes e demais colegas possam rir dela também em publico. O que por si só não constitui um ato sem maiores consequências para a vítima e seus algozes. Vem desta inconsequência a razão para entendermos que o TROTE não deve ser tratado com maiores rigores pela sociedade, constituída pelos próprios pais das vítimas e dos algozes, pelos professores e pelas demais autoridades aos quais estes mesmos jovens deveriam subordinar-se.
Entretanto, nesta obra ficcional americana de 1996, o que conhecemos como trote tem mais haver com o mesmo que atualmente se define como Bulling, pois, os algozes do filme são os mesmos jovens aficionados por filmes de terror, que passam a submeter as suas vítimas a suposta “brincadeiras”, que começam com telefonemas para assustá-los com perguntas relativas a estes mesmos filmes aos quais os autores do “trote” já havia assistido. Porém, se as vítimas erravam as respostas, a “prenda” a ser paga por estas consistia em serem assassinadas da mesma forma que as vítimas dos filmes destes thrillers. Contudo, o filme Pânico retratava também as razões pelas quais os personagens centrais agiam de forma tão cruel com suas vítimas, que era o fato de uma das personagens daquele filme, vítima dos assassinos ficionais, ter tido a mãe assassinada da mesma forma pela qual eles agora reproduziam nos assassinatos de seus colegas de escola.
O poeta Oscar Wilde, irlandês do século XIX, é um dos autores famosos que ajudaram a tornar conhecido o epigrama: “A ARTE IMITA A VIDA!”, tendo escrito em uma de suas obras a frase: “A vida imita a arte mais do que a arte imita a vida!”. O personagens reais retratados no documentário de Moore, “Tiros em Columbine”, não tinham a mesma motivação do personagem ficcional do filme de Wes Craven, porém, aqueles dois jovens americanos de classe média eram vítimas do que aqui já definimos como Bowling.
O documentário de Morre, inspirado em um “drama da via real” americana, faz uma referência direta em seu o próprio título original Bowling for Columbine a este [modelo] trote americano. Os dois jovens homicidas de Columbine eram vítimas do preconceito de um modelo de sociedade americana no qual, de um lado os jovens são estimulados a se dedicar aos esportes, mesmo modelo no qual o Instituto Columbine é uma referência, fornecendo para o times americanos os atletas de um dos esportes mais apreciados na naquele país, mas que, por outro lado, também estimula um modelo competitivo no qual todos os demais jovens que não se encaixam neste estereótipo do “guerreiro americano”, que vence todos os demais com seu espírito viril e combativo, são alvo de chacotas de seus próprios colegas.
Michael Morre salienta também em seu documentário que esta mesma sociedade americana, que cultua seus personagens históricos como heróis, ressaltando este espírito combativo pelo qual estes [supostamente] conquistaram o que hoje se conhece como o american way of life, tendo como principal meio o uso da força e das armas e com isto procuram também justificar o direito de todos os americanos terem as suas próprias armas. Contudo, o próprio Moore põe em cheque tal justificativa para estes episódios de violência como o de Columbine, mostrando no mesmo documentário que o vizinho Canadá, que possui igualmente um número de armas relativamente equivalente ao encontrado junto a população americana nem por isso atinge os mesmos índices de violência envolvendo armas de fogo encontrados dentre os americanos.
O que Moore tenta chamar a atenção em seu premiado documentário é que, dentre as possíveis explicações, há um mix envolvendo questões como a da segurança social - menor do que os de outras economias tão desenvolvidas quanto a americana - que se somam a questões envolvendo o racismo, do qual é vitima a população negra dos EUA e que as instiga a uma reação violenta quanto a esta discriminação, que por sua vez se soma as demais injustiças sociais, culminando por justificar a proliferação de armas junto a população branca daquele mesmo país, desembocando numa crença cultural de que “a melhor defesa é o ataque”.
As investigações da polícia americana no caso do Massacre de Columbine apontaram, como sendo as prováveis motivações daqueles dois jovens cujos os pais se enquadravam na mais perfeita definição do que é a classe média americana (o pai de um deles era geofísico e a mãe uma especialista no tratamento de crianças com deficiências), que as gozações das quais eram alvos de seus colegas atletas, em razão daqueles se dedicarem mais aos computadores do que aos esportes, ao contrário do que era o padrão social naquela instituição americana, fazia com que estes dois jovens buscassem como refúgio na rede mundial de computadores, a Internet, onde acabaram encontrando todo o tipo de informação que os levaram a dar vazão as suas frustrações, causadas pelo Bulling do qual eram vítimas.
Foi a Internet que os dois adolescentes californianos acabaram usando como ferramenta para planejar a sua reação aos colegas que os transformaram em páreas da sociedade da qual faziam parte. Em diários que ambos escreviam, deixaram registrados seus sentimentos expressados em frases, tais como: "Eu me sinto Deus e gostaria que todos estivessem abaixo de mim", enquanto que o outro escreveu que era o próprio deus da tristeza, pensamentos estes que sugerem uma conexão lógica com as inscrições encontradas nas camisetas usadas por cada um deles, que traziam escrito na frente: “Natural Selection” e “Ira”. O estudos psiquiátricos realizados após este massacre, classificaram seus atores como: um sendo Psicopata e o outro Depressivo.
No dia seguinte ao Massacre de Realengo, o famoso jornalista brasileiro Ricardo Boechat fez um longo comentário na abertura do noticiário da BandNews FM, no qual discorreu sobre o episódio e expôs as reflexões dele a respeito das possíveis motivações do autor daquela tragédia, dado os fatos sobre a vida do mesmo já tornados públicos até aquele momento, e, ao final, concluiu que o próprio algoz era também uma das vítimas deste triste episódio da história brasileira.
Seguindo a mesma linha do Boechat na BadNews, de buscar analisar os fatos a luz das circunstâncias, a reportagem publicada no caderno “Cotidiano” do jornal Folha de São Paulo, edição do dia 16 de abril 2011, traz em destaque, no alto da página C5, que: “Bulling é o assunto central da série de gravações de atirador”. A mesma reportagem da Folha, destaca ainda um dos trechos das gravações feitas pelo próprio autor do crime praticado contra os alunos da escola fundamental, no Rio de Janeiro, no qual este desabafa: “As vezes o que mais doía era (sic) quando eles praticavam estas covardias contra mim e todos em volta riam, debochavam, se divertiam sem se importar com meus sentimentos”.
Feitas estas análises e ponderações acima, talvez aqueles que chegaram até este ponto na leitura deste texto, ainda estejam se perguntando onde o autor deste artigo pretende chegar com tal análise. A resposta a esta questão refere-se aos debates trazidos a público pelo Senado brasileiro, supostamente numa “resposta” a sociedade quanto as ações que aqueles políticos brasileiros iriam tomar para prevenir que novos massacres semelhantes voltem acontecer.
Segundo o que nos foi dado a conhecer pela imprensa nacional, a dita “resposta” do Senado brasileiro seria a convocação da população para um NOVO plebiscito sobre a mesma questão já discutida anteriormente, em outro escrutínio, no qual também já houvera um indiscutível posicionamento favorável ao não aumento das restrições ao porte de arma por cidadãos civis, questão esta igualmente tratada, posteriormente ao referido plebiscito, numa legislação especifica, que ficou conhecida como: “Estatuto do Desarmamento”.
O autor do presente texto pretende com ele chamar a atenção daqueles outros políticos brasileiros, cuja vida pregressa difere de forma significativa daqueles outros que foram anunciados, segundo a imprensa, como sendo os autores por detrás desta nova proposta de plebiscito sobre o tema desarmamento. Políticos estes cujo próprio histórico pessoal depõe contra a legitimidade deles, para tratar de questões ligadas a chamada “indústria das armas”, que envolve tantos interesses econômicos aos quais os mesmos dificilmente se oporiam, dado os seus respectivos históricos. Portanto, há de se inferir que destes últimos não se pode esperar nada mais que o interesse eleitoral, mesmo diante de um fato tão trágico como o de Realengo, enquanto que daqueles, cujo histórico pessoal está ligado diretamente ao ambiente no qual estas tragédias aconteceram, o ambiente escolar, mas que pouco destaque se viu na imprensa nacional quanto as suas propostas para tratar do tema que está diretamente ligado a motivação desta tragédia, o Bulling, que foi algo que foi “importado” de outra cultura e veio a deturpar o que era conhecido na sociedade brasileira apenas como TROTE.
A mensagem do autor da tragédia de Realengo contém um sinal de qual tema devemos tratar em uma nova legislação que tenha como inspiração o “Massacre de Realengo”, e esta deve ser dirigida para aqueles políticos ligados ao tema Educação e Ética, tais como o Senador Cristovam Buarque e o Deputado Federal Reguffe (ambos do PDT), por exemplo, considerando que estes realmente estão interessados nas questões que fazem a diferença em relação ao status quo no qual se encontram os temas relativos ao Bulling nas escolas, pois, na mesma reportagem publicada pela Folha deste último dia 15 de abril, em outro trecho transcrito das gravações feitas pelo “algoz de Realengo”, há uma referencia clara a quem este se dirigia na mensagem contida e expressada por ele mesmo na forma deste ato tão violento: “Que o ocorrido sirva de lição, principalmente as autoridades escolares, para que descruzem os braços diante das situações em que os alunos são agredidos, humilhados”.


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